Por que tentamos resolver todos os nossos problemas comprando coisas?

Escrito por: Fernanda Marinho

Assim que começou a pandemia, lembro de ter visto com estranhamento as notícias das pessoas fazendo estoques de papel higiênico e álcool em gel.

Alguns dias depois, por uma dessas coincidências da vida, estava lendo Sapiens – Uma Breve História da Humanidade, do Yuval Harari (aliás, recomendo fortemente) e me deparei com um capítulo que jogou uma luz nesta questão. Traduzi livremente o parágrafo abaixo (só tenho a versão em inglês), que me deixou impressionada e pensando nisso loucamente:

“O consumismo nos diz que, para sermos felizes, precisamos consumir o máximo de produtos e serviços possível. Se estamos sentindo falta de alguma coisa ou sentindo que tem algo errado na nossa vida, então provavelmente a gente precisa comprar um produto (um carro, roupas novas, comida orgânica) ou um serviço (faxina, terapia de casal, aulas de yoga). Toda propaganda na TV é uma nova lenda sobre como consumir algum produto ou serviço vai fazer com que a vida seja melhor.”

É isso que a gente faz. E eu não me coloco acima disso em todos os casos não. Ainda caio nessa (agora, com a consciência, espero que cada dia menos). Qualquer problema, sentimento ou até sensação ruim, a gente tenta resolver comprando coisas.

Por que acreditamos nessa narrativa?

Primeiro porque a publicidade martela isso na nossa cabeça o tempo inteiro. Ela conta sempre a historinha de que você tem o problema X que só o produto ou o serviço Y vai resolver. E a gente cresce e vive sendo bombardeado com essa imagem, de que nossos diversos problemas serão resolvidos por diversos produtos e serviços.

Além disso, a forma como nossa sociedade é organizada – com divisão do trabalho e a falta de tempo para fazer qualquer outra coisa além dele – nos dá a impressão de que cada pessoa só pode fazer aquilo que é sua especialidade profissional. E que ela deve comprar de outros profissionais todo o resto que precisar, sejam produtos (comida, roupa, máquinas) ou serviços (contador, faxineira, médico). A gente pensa muito pouco em como nós mesmos podemos gerar alguns dos produtos ou serviços para nosso consumo individual.

(E não estou falando que a gente deve se auto-medicar não, por exemplo. Mas que existem outras formas de melhorar sua saúde além dos remédios).

Por que tentamos resolver a pandemia comprando papel higiênico?

Pilha de papel higiênico

Então a gente já pensa que precisamos comprar algo sempre que precisamos resolver um problema. E por que o papel higiênico?

Dei uma pesquisada e achei algumas análises super interessante.

A matéria do El País “Por que o papel higiênico está se esgotando no mundo com o coronavírus” traz algumas explicações possíveis, como a de que a compra é mais emocional do que racional em momentos de stress (no geral, é equilibrado), e a de que uma pessoa compra porque todo mundo está comprando também, então ela fica com medo de aquilo faltar, e os espaços vazios nas prateleiras deixam esse medo mais exacerbado ainda.

Achei muito interessante ainda a da BBC “A psicologia por trás da corrida por papel higiênico em meio a “medo contagioso” do coronavírus“, que cita o livro “The Psychology of Pandemics” do autor Steven Taylor. Ele relata que, na Gripe Espanhola de 1918, as pessoas esvaziaram as prateleiras de Vick Vaporub. Ele conclui ainda que “o papel higiênico é visto como um instrumento para evitar coisas nojentas e vira um símbolo de segurança”.

Por que sentimos que precisamos fazer algo?

Porque é muito incômoda a sensação de estar diante de uma situação tão complicada e “não fazer nada”. Então nossa mente começa a procurar formas de fazer alguma coisa para resolver aquele problema, e daí é um pulo começarmos a pensar no que podemos comprar para isso.

Mas podemos pensar que, na verdade, ficar em isolamento social é fazer algo sim. E dá um super trabalho – de adaptação, de preocupações, de tarefas que não fazíamos e agora temos que fazer. E mesmo aqueles que precisam sair, podem sim tomar cuidados com a segurança dos outros, mantendo distância, lavando as mãos frequentemente, evitando ao máximo saídas desnecessárias.

Estamos sim fazendo muita coisa. Não precisamos comprar pilhas e pilhas papel higiênico para isso.

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2 Comentários

  1. Liggiane disse:

    Olá! Já acompanho seu blog por algum tempo, mas nunca comento.
    Gostei do seu post, esse tema é uma das formas de compensar algum vazio que eu mais vejo por aí.
    O pior é que o papel higiênico não soluciona tudo que acontece na quarentena. E obrigada de verdade por compartilhar esse trecho de livro. Eu não entendia de modo algum a necessidade exagerada de papel higienico. Pensava “não é possível que essa pessoa tenha tantas necessidades fisiológicas assim… mesmo se tivesse com a pior diarreia da vida, isso não é coerente”.
    Eu tinha notado isso, de comprar para sentir que resolve um problema, num episódio de How I met Your Mother. Nele, a Lily simplesmente era viciada em compras, mesmo ganhando pouco. Para tudo que a aborrecia, ela comprava botas, roupas de grife… rs.
    Acho legal quando as pessoas tem estalos mentais e questionam os hábitos que estamos inseridos.
    Obrigada por dar esses toques. 😉

    1. Ei, Liggiane! Que bom que você comentou! Muito obrigada! Fiquei muito feliz de saber que você acompanha o blog há algum tempo e que gostou do post!
      Pois é… Eu também não entendia essa loucura por papel higiênico. E dei sorte de estar lendo um livro que tocou nesse ponto. Aí fui pesquisar e achei as duas reportagens. De repente, tudo fez sentido. Mas engraçado perceber como as pessoas (e eu entre elas, claro) não são tão racionais como a gente pensa, não é?
      Ah! Agora que você falou, lembrei desse episódio de How I met your mother!!! Na época, nem percebi. Agora que você falou, ficou claro! Que loucura! Muito obrigada!
      Esses estalos são muito legais mesmo! Por isso que, quando li no livro, já tirei foto da página pra vir depois aqui compartilhar! Hehe… E eu que agradeço seu comentário 🙂

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